A singela história de um grito de gol: Tá na teia!
A singela história de
um grito de gol: Tá na teia!
Eu sou do time dos que apreciam a
criação e adaptação de bordões como uma espécie de composição musical, uma
poética específica e delicada. E digo isso, porque, de fato, a falta de
vigilância nos usos e abusos de bordões pode muitas vezes comprometer a
qualidade do discurso do narrador.
Para mim, pensar na criação de
bordões, ou mesmo na adaptação de passagens comuns da vida cotidiana para a
narração de um jogo é uma das partes mais legais do ofício de narrador.
E como nascem os bordões?
Certamente, o item “criação de bordões” não se faz presente nas ementas dos
cursos de narração esportiva Brasil afora. Oscar Ulisses, certa vez disse que o
“Ripa na chulipa”, clássico bordão do irmão gênio, Osmar Santos, viera,
inicialmente da boca de um bêbado em uma porta de boate. Também, quem não se
lembra da expressão: “animaaaaaaal” que por anos virou uma espécie de sobrenome
do ex-jogador Edmundo? Pois bem, esta veio originalmente de uma criança,
segundo conta Edson Scatamachia, repórter que por anos trabalhou com o “pai da
matéria”. Osmar ouviu aquilo, gravou na memória, testou na realidade, deu certo
e estes são bordões que ainda hoje nos acompanham. Essas passagens revelam o
quanto a genialidade de Osmar ia muito além da mera descrição do ocorrido em
campo. Era preciso estar atento ao mundo fora dos estádios, pois lá estavam
todos os elos que davam sentido ao que acontecia dentro das quatro linhas.
Quando em minha cabeça acendeu-se
a luz da narração esportiva, lá em 2016, pensar em ter bordões virou uma
obsessão, positiva é verdade, mas uma obsessão. Especialmente, no que diz
respeito ao grito de gol, sempre admirei aqueles narradores que identificam o
gol assim que a bola ultrapassa a linha, como uma prévia ao clássico grito.
José Silvério, “o pai do gol”, geralmente soltava um simples “É gol”, de
um jeito exagerado, quase embriagado, mas marcante; o incrível Mário Henrique
da Rádio Itatiaia solta um sonoro “caixaaaaaaa”, que de tão marcante,
virou sobrenome também, uma vez que ele é popularmente conhecido como Mário
Henrique Caixa; Marcelo do Ó é dono do “caçapa”; aqui pertinho, o
limeirense, Edmar Ferreira ecoa um sonoro “Pimbaaaa”, quando a pequenina
adentra ao berço esplêndido do gol e, por ai vai.
Eu procurava em todos os cantos
da vida por uma expressão que pudesse me ajudar na hora do gol, mas estava
longe, muito longe, até que relaxei, respeitando o tempo e deixando as coisas
acontecerem naturalmente.
Em 2018, ainda dando os primeiros
passos no universo da narração esportiva, participei do projeto da Web Rádio
Esportiva de Campinas, juntamente com os amigos Héber Castro, Luiz do Vale,
Gabriel Ribeiro, Léo Tonin, Higor Galvani e Wesley Dias (todos testemunhas do
que vou aqui contar). Fazíamos os jogos de Ponte Preta e Guarani e, dispúnhamos
de cabine reservada em ambos os estádios (isso já era incrível).
Nossa cabine no estádio Brinco de
Ouro da Princesa, era a primeira, da esquerda para a direita do setor de
rádios, que ficam embaixo do tobogã. Nela, desde o início havia uma senhora
teia, com uma senhora aranha que nela habitava. Piadas, brincadeiras e um
profundo medo daquela aranha marcavam nossas transmissões. Por manter-se sempre
estática durante nossa estadia, cogitamos a princípio sua morte, mas, semanas
depois, lá estava a dona Aranha em posição distinta a de uma ou duas semanas
atrás, ou seja, estava viva, Vivinha da Silva. A coisa foi indo até que percebemos
que nós é que éramos os hóspedes inquilinos da cabine, integrando a Dona Aranha
em nossa equipe.
Foi quando em um dia, antes da
bola rolar no Brinco de Ouro, em um jogo da Série B do Brasileirão, o
comentarista Higor Galvani chega alegre para o jogo, cumprimenta a equipe e
pergunta:
- Cadê a aranha?
E eu respondi de bate pronto:
- Tá na teia!
Acontece que antes de ir para o
jogo, no trajeto de Piracicaba até Campinas, eu estava ouvindo a Transamérica
de São Paulo e o Oswaldo Maciel abrindo um grito de gol com o seu lendário: “Tááááá
naaaaa Reeeeede”! Aquilo estava em minha cabeça.
Quando respondi ao Higor sobre a
aranha, gostei da forma como soava foneticamente o “Tá na Teia” e fiquei
matutando aquilo na cabeça em relação com a “melodia” do “tá na rede” do
Maciel. Da cabine, olhei para o gol e pensei o quanto as redes pareciam-se com
teias. Pensei em soltar naquele dia, mas tive medo. Não seria algo muito
forçado? Sim, não, talvez.
Voltei para a casa e perguntei a
minha companheira, Renata, o que ela achava do meu “tá na teia” para
falar na hora do gol. Sabendo de sua criticidade, ela me indicaria pistas se
estava forçado ou não. Mas ela gostou e me incentivou a soltá-lo.
O jogo seguinte foi no Moisés
Lucarelli, casa da Ponte Preta, fui com o grito preparado, mas, nada de gol. Na
sequência, em um jogo truncado no Brinco, o bugre consegue um gol emocionante
nos acréscimos do segundo tempo, fazendo 1 a 0. Não hesitei, a bola passou a
linha e gritei “Táááááááá naaaaaaa Teiaaaaaaaa”! na pegada do Maciel,
trocando apenas a rede pela teia. O olhar dos amigos de cabine na hora foi de
espanto com o inesperado grito, mas aquele espanto que escorrega um sorriso de
aprovação. Era a resposta que eu precisava para batizar a criança e chamá-la de
minha.
Fiquei muito feliz, quando recebi
um vídeo de um grupo de jovens que foram meus alunos no ensino médio. Estavam
jogando futebol na quadra da escola, houve um pênalti. Eles gravaram no celular
o lance e narraram o gol com o “Tá na Teia” que a esta altura, já não
era mais meu, ainda bem!
A ânsia de procurar bordões por
aí, desenfreadamente, embora normal a todo jovem narrador, mostrou-se
equivocada. A poesia do futebol está na singeleza da própria vida. O narrador
esportivo é como um médium que a todo tempo recebe mensagens, muitas mensagens,
que nunca são claras e diretas para serem integralmente psicografadas. O
narrador esportivo é um poeta, cuja poesia é feita com cacos esparsos da vida
cotidiana de outros tantos poetas e poetisas comuns. Por isso, é preciso viver
a vida com gosto e admirar sua simplicidade. É como diz a canção dos Titâs: “as
ideias estão no chão, você tropeça e acha a solução”.
Espero ainda poder gritar muito “Tá
na Teia” por aí, pois como diria Gerson Mendes: “se tem futebol no rádio,
tem alegria do povo”. E em um mundo cada vez mais triste, ser um emissário da
alegria do povo, acreditem, é uma dádiva.
Marcelo Bezerra é narrador
esportivo e professor de Sociologia.
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Caro Marcelo, tudo certo? Após o final da jornada esportiva hoje à noite, na despedida do XV da A2, perdendo em Campinas para a Ponte (2x0), fiquei pensando no seu bordão espetacular "Tá na teia". Pensei o quão deve ser emocionante soltá-lo aos quatro cantos, quando é a favor de nosso time e o quanto deve ser estranho quando é contra nosso time. Coincidentemente achei o seu texto com a história do bordão, o qual é esperado por nós. Marcelo,este campeonato de 2023 acabou mas logo logo voltarão seus "Tá na teia" em outros estádios pelo Brasil. Parabéns pelo seu trabalho e grato pela atenção a mim nas jornadas. Sucesso e abraço. Guilherme